ACIL - Associação Comercial e Industrial de Livramento
   
  100 anos de comércio
   
  Um resumo histórico da ACIL, compilado do livro acima denominado, de autoria do historiador santanense Ivo Caggiani.

  A Defesa do Comércio pela imprensa
   
  Entre os grandes acontecimentos da vida de Sant'Ana do Livramento e uma das mais expressivas e vigorosas campanhas de seu comércio, nos últimos anos do século passado e primeiros deste, figura em destaque o alfandegamento da Mesa de Rendas e, posteriormente, a criação da Alfândega.

Velha aspiração de toda a comunidade santanense o alfandegamento da Mesa de Rendas foi uma conquista porfiada, laboriosa. Os grandes vultos do comércio - Vivaldino Maciel, Guilherme Dias de Castro, Tomaz Mena, Antônio Rodrigues, Francisco Iriondo, João Pedro Rodrigues D'Avila, José Garagorry, Henrique Doninelli e outros, secundados pela imprensa santanense, na qual militavam jornalistas da fibra de Albino Costa, Salustiano Maciel, Paulino Vares, Rodolfo Costa e Arthur Lara Ulrich - todos a um, num batalhar incenssante, lutaram sem tréguas nem fadigas ou esmorecimentos, a pról de sua obtenção.

Em 1898, depos de longos dez anos de sofrimentos, de coações e de constantes agressões por parte das praças de Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande, entre outras, o comércio santanense ganhou um gande aliado, na pessoa do jornalista Albino Costa. Diante do noticiário tendencioso da imprensa do Rio de Janeiro, que acusava o comércio da fronteira, principalmente de Sant'Ana do Livramento, responsabilizando-o pelo contrabando, Albino Costa, pelas colunas do "Jornal do Comércio", saiu em sua defesa. Em outubro desse ano, entre outras coisas, escreveu:

" Não é, portanto, nas fronteiras do sul que está o maior foco de contrabando; a hidra que corrói e depaupera o nosso organismo financeiro oculta, segundo parece, as suas abomináveis garras nos recantos das próprias repartições alfandegárias. Já demonstramos claramente que através da fronteira extensíssima que se desdobra desde a foz do Chuy no Atlântico, à foz do Quaraí, no rio Uruguai, isto é, em Rivera. Mas o Comércio da praça do Livramento, servido por essa linha férrea, a vinte horas de viagem do porto de Montevidéo, que o põe em comunicação direta com todos os mercados do mundo se fizer contrabando, é a isso coagido, e nem poderá deixar de fazê-lo, desde que os poderes competentes se obstinem em não aparelhar a Mesa de Rendas Federal da localidade para receber os direitos que o mesmo comércio deseja, e justiça lhe seja feita, sempre desejou pagar, esforçando-se, fazendo todo o empenho por despachar suas mercadorias, como o podem testemunhar todos os empregados da Fazendaque tem estado na direção da Mesa de Rendas Federal do Livramento. É justo que o comércio daquela praça vá despachar suas mercadorias na Alfândega do Rio Grande, ou na de Uruguaiana? Não, porque a do Rio Grande distante oitenta léguas, obrigada a transportar suas mercadorias da Alfândega de Montevidéo para um navio qualquer que as conduzisse ao Porto do Rio Grande, descarregando-as alí para serem despachadas devidamente, e depois, carregadas nos trens da estrada de ferro para Bagé ou Coxilha de São Sebastião, onde ficariam depositadas a espera de carros que as conduzissem ao Livramento, em um percurso aproximadamente de quarenta léguas, por uma estrada cortadapor brejos profundos e rios que em certas épocas não dão passagem. Além deste pesado e impossível trânsito, que pode demorar a mercadoria em viagem ou quatro meses e obrigar a cada negociante a manter um empregado de confiança em cada uma dessas paradas, há a considerar os fretes, os seguros marítimos de Montevidéu ao Rio Grande, maior que o da Europa a Montevidéu, as descargas e armazenagem na Alfândega, a remessa e frete pela estrada de ferro para Bagé, o aluguel de um armazém alí para depósito, o frete de carros de bois, que algumas vezes sobe a 150 por tonelada, o perigo dos rios invadiáveis, sem contardezenas e outros acidentes menores, como desfalques, avarias.

Não. Impossível! Cremos que ainda não foi moldado o metal que tenha de fundir a extraordinária e esquisita organização de negociantesque por escrúpulos fiscais, submetam sua propriedade a tais desastres, quando tem, como a preça do Livramento, um trajeto curto, seguro, fácil e baratíssimo para recebimento de suas mercadorias.

Com a Alfândega de Uruguaiana sucede o mesmo: menos transbordos, algumas despesas menos, mas além do frete fluvial e seguro, precisa o negociante manter ali um empregado ou agente de confiança, armazém para depósito e, acima de tudo, um trajeto de setenta léguas em carros por caminhos que não são facilmente transitáveis em todas as épocas do ano. Além disso é bom não esquecer o essencial: quantas são as espécies de mercadorias que podem comportar tão avultadas despesas?

Não. O comércio, como a matemática, como a retórica, como a filologia, segue a lei do menor esforço. Forçar seu curso natural, que repousa em condições topográficas e sociais é pô-lo em crise, constrangê-lo em sua circulação vital que se baseia na liberdade e na teoria do mais simples, é matá-lo. É comparável às correntes líquidas que a insânia dos homens faz subir de seu leito para derivar sobre os acidentes do solo.

A praça do Livramento está colocada em condições de tal modo especiais que não pode despachar suas mercadorias em nenhuma das duas Alfândegas do Estado: Rio Grande e Uruguaiana.

O Alfandegamento da Mesa de Rendas dali, enquanto a Alfândega decretada não for instalada, é uma necessidade imperiosíssima, é uma medida urgentemente reclamada para evitar desperdício nas rendas públicas.

O Dr. Vóssio Brigido, atualmente na fronteira em missão fiscal e o Dr. João Clímaco de Mello, recentemente nomeado Delegado Especial para repressão do contrabando, se conseguirem subtrair-se (o que poucos dos seus colegas fizeram) as sugestões das influências político-comerciais daspraças do litoral, cujo espírito regional e interesseiro tem compelido o governo a dispender quatrocentos e vinte e sete contos anualmente em um corpo de exército fiscal absolutamente inútil; esses dois funcionários, refletindo maduramente nas condições especialíssimas do Livramento hão de concluir por propor ao honrado e zeloso Ministro da Fazenda: -- ou compelir o governo ao estabelecimento da Alfândega do Livramento ou compelir o governo da República Oriental a suprimir a liberdade de trânsito para Rivera".

Os brilhantes e oportunos esclarecimentos de Albino Costa foram muito bem recebidos em Sant'Ana do Livramento e transcritos no jornal "O Canabarro". A esse respeito, o mesmo órgão de imprensa assim se referiu:

"Quando há dias transcrevemos do "Jornal do Comércio" da Capital Federal o primeiro artigo em defesa do comércio lícito da fronteira, bem sabíamos que o autor desses artigos era o nosso dedicado e talentoso amigo Sr. Albino Costa, mas como esses artigos não trouxeram a sua assinatura não quisemos dizê-lo sem que antes estivessemos para isso autorizados. Hoje, completamente autorizados pomos ao pé do segundo artigo que transcrevemos em nossa primeira página, o nome de seu autor, para que o comércio e a população do Livramento saibam quem é que na Capital Federal levantou a luva que contra a fronteira jogaram as praças do litoral. Por carta que temos a vista sabemos que o Sr. Albino Costa, como noticiamos, devia já ter embarcado para o Livramento, resolveu demorar-se na Capital a fim de continuar na defesa espontânea do comércio do Livramento e fronteira do Rio Grande.

Já sabem, portanto, o comércio e a população da fronteira quem é o seu defensor e a quem devemos agradecer tão grande e importantíssimo trabalho.

 
  Jornalista Albino Costa, um dos grandes baluartes na luta pela instalação da Alfândega e na defesa intransigente do comércio da fronteira, especialmente de Sant'Ana do Livramento.
   
  É também de justiça declarar que o Dr. Alcides Lima, atualmente na Capital Federal, também muito tem se esforçado em bem da justa causa do comércio do Livramento.

São, pois, estes únicos amigos que o comércio de nossa fronteira conta atualmente no Rio de Janeiro.

Como depois, voltava Albino Costa com outro artigo, continuando assim na defesa do comércio santanense tão injustamente tratado:

" Aquele impenitente comércio das cidades da fronteira contantemente caluniado pelo que fez e pelo que não fez, tem sido sempre a cabeça de turco sobre a qual bateram em todos os tempos as mais extravagantes fantasias políticas.

Se algum ou alguns negociantes no Livramento iludiram o fisco, é claro que não era essa a forma de puní-los porque isso seria arrastar uma multidão de inocentes na mesma grilheta que deve prender um ou dois criminosos, se é que o Delegado Especial provou que os há.

Entretanto, um rápido golpe de vista retrospectivo, sobre a praça do Livramento bastará para mostrar aos olhares desapaixonados a injustiça da opinião que tão erradamente se formou sobre o seu comércio. Os comerciantes daquela localidade, a contrabandearem em alta escala, como adrede se faz constar, deviam estar riquíssimos. Não obstante, reconhecemos em Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande, muitas firmas milionárias, enquanto que no Livramento não conhecemos ninguém que tenha enriquecido no comércio. Ao contrário. A maioria dos comerciantes, firmas respeitáveis apesar de rudemente acusadas de fraudatarias das rendas públicas, tem fechado suas casas convencidos de que nada tem a ganhar continuando com as portas abertas. Por exemplo, lembramo-nos das seguintes firmar importantes, muito conhecidas e reputadas, Mena & Cia., e Vicente Pinto, fecharam suas casas em Livramento e foram estabelecer-se na Praça de Rio Grande; Ângelo Correa & Cial, passaram para Pelotas; J. Adolfo F. de Freitas, passou para Porto Alegre; José Diez, Avenero Abascal, Vivanco & Cia., e outros mudaram suas casas para Rivera. Entre as casas mais antigas lembramo-nos de Coradino Lupi & Cia., Manoel Abascal, José Guerra & Irmãos, Carlo Giudice, Noberasco & Pastor, Pignone & Braz, Andrade Cruxen & Leite, Manoel e Ângelo Cabeda, Joaquim Pereira Lopes e outros, cujos proprietários, uns, como os primeiros, culminaram seu comércio de importador e passaram a empregar sua atividade na industria pastoril, outros liquidaram o comércio de atacado em condições desfavoráveis e mudaram de ramo de negócio. Ora, contra a violência e rudeza dos fatos, não há sofisma, se essas firmas, aliás das mais respeitadas da fronteira, viram-se forçadas a fechar suas casas ou mudarem-se para outras praças, é claro que não é esse o comércio que se locupletou com a fortuna Pública, defraudando o fisco por meio do preconizado contrabando escandaloso"

Realmente a defesa do comércio da fronteira, produzida pelo jornalista albino Costa através da imprensa do Rio de Janeiro, teve uma grande repercussão e serviu para esclarecer as autoridades e a opinião pública. Ficou, inclusive, sobejamente provado que as acusações das praças da capital e do litoral visaram apenas indispor o comércio da fronteira e tirar vantagens dessa situação, em proveito próprio.

J.Reinecken Webmaster