ACIL - Associação Comercial e Industrial de Livramento
   
  100 anos de comércio
   
  Um resumo histórico da ACIL, compilado do livro acima denominado, de autoria do historiador santanense Ivo Caggiani.

  As dificuldades do comércio
   
  Já em 1858, o relatório enviado ao Governo da Província pelo presidenteda Câmara Municipal, recentemente instalada, Vereador Francisco Maciel de Oliveira, registra uma reclamação sobre a situação a que se encontrava relegado o comércio santanense. Referindo-se ao assunto, o edil afirma que " nos paroxismos da morte está nesta Vila o Comércio Nacional, partilhado pelo Estrangeiro ". E depois de outras considerações, salienta a "falta de proteção aos homens dados a este tão importante ramo ".

Cinco anos depois, em 1863, em seu "Compêndio de Geografia da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul", Eudoro Brasileiro Berlink, diz que Sant'Ana do Livramento "é Vila florescente e de comércio, porém, já se ressentem os efeitos do traço da linha na paralização do comércio e estagnação do mercado brasileiro, em consequência da nova povoação oriental e que se denomina D. Pedro Ceballos e onde casas de negócio vendem com 50 por cento de abatimento as mercadorias que se venderiam na Vila. A decadênciada Vila é pois inevitável e o progresso do contrabando seguro".

Realmente a posição geográfica de Sant'Ana do Livramento, fez com que o seu comércio, por muitos e muitos anos, enfrentasse toda a sorte de dificuldades. Por um lado,sofria a concorrência desenfreada do contrabando, uma vez que a vizinha povoação, devido as menores taxas alfandegárias, tinha condições de vender bem mais barato toda a sorte de mercadorias,circunstância que a tornava a fornecedora ilegal de uma grande e rica zona do Rio Grande do Sul. Por outro lado, sempre foi alvo das acusações e das campanhas que lhe moviam as praças da capital e do litoral da Província.

Com afinalidade de enfrentar os efeitosdo contrabando, que era favorecido pelo "livre-cambismo" do Uruguai, a Praça do Comércio de Porto Alegre, no início dos anos sessenta, passou a advogar a criação de uma "tarifa especial" para a Província, inferior a cobrada pelos direitos de importação no resto do país. Contando com o apoio dos representantes do Rio Grande, essa idéia foi levada ao Corpo Legislativo do Império, sendo o seu estudo iniciado em 1864.Entretanto, só a 7 de dezembro de 1878, o privilégio pleiteado pelos importadores rio grandenses foi concebido. O decreto mandando cobrar, a partir de 1º de janeiro de 1879, uma tarifa especial para determinados artigos no Rio Grande do Sul e Mato Grosso, só foi editado em virtude da ascensão de Gaspar da Silveira ao Ministério da Fazenda, no início de 1878.

Com esse incentivo o comércio de Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande, teve um considerável impulso, passando a viver um período aureo, durante o qual deixou de fustigar a região da fronteira. O governo uruguaio, entretanto, não tardou em reagir a essa medida e reduzir, consideravelmente, as suas tarifas alfandegárias. Anulou assim os efeitos da "tarifa especial", fruto de uma longa luta das principais praças da Província, e facilitou novamente o contrabando.

A partir de 1885 o comércio rio grandense começou a decairde maneira sensível, principalmente, em virtude da baixa progressiva do preço do gado e dos produtos da pecuária. Até então, o gado era vendido entre trinta e cinco a quarenta e cinco mil réis. Dessa época emdiante o preço declinou de forma alarmante, chegando, na safra de 1887, a ser comercializado, na tablada de Pelotas, entre dez e dezesseis mil réis.

Aterrorizados pelo mal estar comercial que se verificava emtoda a Província, os comerciantes de Porto Alegre e de outras importantes ciddes, entre as quais Pelotas e Rio Grande, passaram a dirigir queixas e reclamações ao Mínistério da Fazenda do Império. O Corpo Comercial da capital passou, inclusive, a exercer pressões sobre as autoridades, ameaçando não despachar suas mercadorias na alfândega e até fechar todas as casas de negócios. Ao mesmo tempo em que acusavam abertamente seus colegas da fronteira como responsáveis pela concorrência que sofriam,em virtude da ilícita e clandestina introdução de mercadorias em território rio grandense, exigiam medidas de caráter extremo, que proibissem o comércio intermunicipal. Evitando que os municípios da fronteira vendessem para outras praças do interior, pensavam eles, seria levantada uma barreira contra o contrabando o responsável pela situação alarmante em que se debatia, não só o comércio, mas a pecuária, a agricultura e a incipiente indústira gaúcha.

No mês de julho de 1888, o governo do império autorizou o provincial a estabelecer zonas fiscais limitadas. Dessa maneira o administrador da Mesade Rendas Gerais de Sant'Ana do Livramento, passou a negar despachos a mercadorias que se dirigissem para fora do município. Amedida feria de frente a liberdade de comércio garantida pela Constituição, bem como pelo Código do Comércio, e prejudicava os comerciantes que tinham em seus armazéns mercadorias legalmente introduzidas e devidamente tributadas.

Sant'Ana do Livramento, com a medida artitrária e ilegal, movimentou-se. Foi, inclusive, constituida uma Comissão da qual faziam parte o Barão de Itaquatiá (Boaventura José Gomes), Agustin Pastor, Manoel Pacheco Prates, Guilherme Dias, Capitão Francisco José Calero, Ignácio Bonet, Alcides de Mendonça Lima e Ângelo Cabeda, figuras das mais representativas da comunidade. Essa Comissão redigiu, em nome da cidade, um extenso memorial ao Corpo Legislativo e ao Governo do Império, pedindo providências contra o que julgavam altamente prejudicial ao progresso de Sant'Ana, que sempre se desenvolveu amparada no comércio.

Não era só Sant'Ana do Livramento que o governo prejudicava com a proibição de guias. O município tinha relações comerciais com quase todo o interior da Província, e principalmente, com a região serrana, da qual recebia produtos coloniais e frutos do país, que exportava para o Uruguai, servindo assim de intermediário entre produtores rio grandenses e comerciantes estrangeiros.

Uma breve revista dessas operações, dá uma idéia da importância de Sant'Ana como ponto comercial obrigado para a permuta dos generos dos dois países vizinhos. Da região serrana chegavam a fronteira, anualmente, cem mil arrobas que eram adquiridas e exportadas para o Uruguai. Além da erva, também vinham madeiras para construção, banha, feijão, farinha, milho, fumo, etc. Desprezando a importância paga por esses produtos, que atingia a expressiva soma de dois mil contos, é interessante considerar a parte que diz respeito aos fretes. A erva era conduzida em mil carretas que venciam um frete de cento e trinta mil réis cada uma, ou seja cento e trinta contos no total. Os demais generos não podiam ser conduzidos em menos de outras mil carretas que, procedendo de pontos mais próximos, como Santa Maria, São Francisco e Rosário, percebiam um frete de setenta mil réis cada uma, ou seja um total de setenta contos. Sant'Ana do Livramento desembolsava pois, somente em pagamento de fretesdos generos de produção nacional que recebia, a expressiva soma de duzentos contos.

A superioridade que Sant'Ana do Livramento, oferecia sobre outras praças introdutoras não era devida, como pretendiam fazer acreditar, ao contrabando e sim a sua situação geográfica, uma vez que está colocada em distâncias quase iguais entre a região serrana e o porto de Montevidéo.

O Fisco obrigava o comércio de Sant'Ana a trazer mercadorias de Montevidéo por intermédio de Uruguaiana, aquarenta léguas de distância, onde foi criada uma Alfândega. Era realmente uma inversão da ordem natural das coisas. O comércio necessitava desviar-se 40 ou 60 léguas de sua rota natural para procurar o fisco e pagar-lhe os impostos de importação, quando o lógico era que o fisco procurasse o comércio em sua marcha natural. Tal fato obrigava os comerciantes a pagar fretes e comissões que oneravam as mercadorias em, pelo menos, vinte por cento. Além disso, havia a demora no recebimento das mercadorias e as avarias freqüêntes ocasionadas pelas baldeações do rio Uruguai.

Depois de longas e minuciosas considerações a Comissão, além de chamar a atenção das autoridades sobre a ilegalidade da limitação de zonas para a expedição de guias, sugeriu, como medida mais sensata, o alfandegamento da Mesa de Rendas de Sant'Ana do Livramento.

Entretanto, a representação da cidade de Sant'Ana do Livramento não encontrou eco no Rio de Janeiro...

   

J.Reinecken Webmaster